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"A vivência de Jesus não pode ser uma leitura marcada pelo preconceito", diz pastor
Ronilso Pacheco é coordenador do recém-lançado livro "Jesus e Direitos Humanos"
O livro "Jesus e os Direitos Humanos", coordenado pelo teólogo e pastor Ronilso Pacheco, foi lançado no dia 16 de fevereiro no município do Rio de Janeiro. A obra reúne nove artigos que relacionam passagens bíblicas e as mensagens de Jesus com a busca contemporânea pela justiça, igualdade e defesa dos direitos civis e sociais. O Brasil de Fato conversou com o coordenador do livro sobre a visão religiosa dos direitos humanos, a diversidade de grupos evangélicos e a disputa da narrativa da Bíblia. Ele é pastor auxiliar na Comunidade Batista em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, e também autor de outro livro, "Ocupar, resistir, subverter – igreja e teologia em tempos de violência, racismo e opressão".
Brasil de Fato: Ronilso, conte um pouco sobre a proposta do livro "Jesus e os Direitos Humanos".
Ronilso Pacheco: O livro foi uma grande oportunidade pensada pelo Instituto Vladmir Herzog de São Paulo. Foi através do seu projeto "Usina de Valores", que pretende levantar uma outra discussão no Brasil sobre valores e os direitos humanos pensando cidadania, bem viver e a importância da escuta ativa. Uma das oportunidade levantadas pelo projeto é como nós podemos dialogar com as igrejas e com o campo evangélico, visto que esse grupo está no olho do furacão e em evidência por toda a questão política no Brasil. Ou seja, um material que poderia ajudar a pensar o universo evangélico fora desse campo monolítico como sendo um campo único e exclusivamente conservador e reacionário, o que evidentemente não é.
Nós pensamos em pessoas que pudessem contribuir, refletindo a partir da Bíblia. A vida de Jesus foi muito pautada, principalmente a partir dos exemplos de valorização dos direitos humanos.
Mesmo que exista uma relação com a questão da religião e a atuação política, nenhuma religião defende pena de morte, exclusão, racismo, discriminação e violência contra as mulheres. Imagino que isso seja trabalhado não só na sua igreja, como no livro também, já que estamos falando de direitos humanos, civis e sociais. Muitas ameaças vem acontecendo e também muitas perdas nesta área.
Com certeza. O livro toca em todas essas pautas. Era necessário mostrar a aproximação entre a Bíblia, o universo do evangelho e os direitos humanos, essa foi uma primeira inspiração. E, de fato, os textos tocam muito nesses temas. Por exemplo, o texto do pastor André Guimarães, que é metodista de Salvador, trata exatamente da questão racial e do racismo. Tem o texto da pastora Andreia Fernandes, metodista de São Paulo, que trata da questão do gênero e da violência contra mulher. Tem o texto do pastor Henrique Vieira que trata sobre a questão da violência. Temos textos que falam da temática da segurança. O livro de certa forma tenta abranger temas que são muito caros no debate da sociedade brasileira e é importante mostrar a perspectiva religiosa sobre esse temas, que não pertencem a um só grupo. A Bíblia não pertence a um grupo específico.
O senhor é da comunidade Batista e citou dois artigos de pastores da Igreja Metodista. E quando a gente fala de evangélicos existem inúmeras correntes, ao mesmo tempo, religiões que sofrem com intolerância religiosa costumam responsabilizar os evangélicos. Mas que evangélicos são esses?
Acho que estamos pagando um pouco de algumas generalizações. O fato de não termos outro conceito que dê conta de quem são os evangélicos, ou seja, os evangélicos são colocados como aqueles que são cristãos não católicos de uma maneira generalizada. E aí esse nome virou algo hegemônico como se ele fosse um grupo coeso. Quer dizer, os evangélicos se posicionam de maneira agressiva contra religiões de matriz africana, então, são todos os evangélicos que estamos falando? Por um lado tem uma relação da comunicação, da mídia e da sociedade que universaliza a perspectiva evangélica através de alguns exemplos de certos líderes que têm muita visibilidade e de uma maneira muito negativa, muito autoritária, preconceituosa e às vezes racista. Isso é até um dos exercícios que o livro quer fazer. Como a gente contrapõe essa narrativa mostrando que há fissuras nesse universo que a gente chama de uma maneira geral de evangélicos? É importante identificar a comunidade, o lugar, a igreja, o líder. Você pode ter uma mesma congregação, uma mesma Igreja Batista que se posiciona de uma maneira reacionária, mas você também tem um universo Batista que é aberto, acolhedor, tolerante e respeitoso. A gente tem exemplos de igrejas que eventualmente nas suas ceias, que é um momento ápice da igreja, costumam chamar representantes de outras matrizes religiosas para participar no sentido de mostrar publicamente que existe um esforço e interesse pela caminhada em conjunto.
O livro se chama “Jesus e os Direitos Humanos” e os textos relacionam a nossa vida com passagens bíblicas, com as mensagens de Jesus. A gente ouviu durante algum tempo comentários e posicionamentos que não condiziam absolutamente com nenhuma mensagem deixada por Jesus, que não podiam ser encontrados em nenhum pedacinho da Bíblia. Esse conhecimento do livro pode amenizar o coração das pessoas e derrubar esse muro de afirmações como “todos os evangélicos são intolerante com outras religiões”?
É por isso que uma das afirmações que a gente faz é que no fim das contas estamos disputando a Bíblia, apesar de eu não gostar dessa palavra, tem uma disputa. Porque é óbvio que você vai ter textos e alguém vai usar aquele texto de maneira preconceituosa. E alguém pode usar o mesmo texto de maneira acolhedora. E como estamos falando de passagens da Bíblia, é interessante que tem um texto em que o mestre da lei se aproxima de Jesus e pergunta, “o que eu faço para receber a vida eterna?”. E Jesus responde para ele com uma outra pergunta, isto está no evangelho de Lucas, “O que está escrito no livro da lei? Como é que você lê?”. Então, essa pergunta de Jesus, quando ele diz “como é que você lê ou como é que você interpreta”, ele está dando margem para a gente pensar que nenhum leitura é imparcial, toda leitura é marcada por uma parcialidade. O que é a parcialidade? É a história, o seu aprendizado, é a tradição, é a sua formação, é como aquela liturgia foi apresentada a você. Tudo isso influencia na sua perspectiva e forma de ver. A gente deve se perguntar, na maneira como alguns textos são ditos: como este alguém está lendo? Como ele interpreta? O que orienta essa leitura? Estamos tentando fazer uma disputa na leitura que é marcada pela vivência de Jesus, ela dificilmente será uma leitura marcada pela violência, pela agressão e pelo preconceito.
*A entrevista foi concedida a apresentadora Denise Viola durante o Programa Brasil de Fato Rio de Janeiro no dia 15 de fevereiro de 2019.
Ouça o programa na integra, clique aqui.
Edição: Jaqueline Deister
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