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Posted: 04 Mar 2019 05:00 AM PST
Publicado no El País
O que aconteceu recentemente em Detroit, nos Estados Unidos, poderia perfeitamente ser a cópia de um roteiro tragicômico de Hollywood, o último do Spike Lee sem ir mais longe, Infiltrado na Klan, aquele que conta a história do policial afro-americano que nos anos setenta conseguiu penetrar até a medula da Ku Klux Klan. Mas é real, como provam os documentos atestando que novo líder do Movimento Nacional Socialista (NSM, na sigla em inglês), um dos grandes grupos neonazistas do país, é um homem negro chamado James Stern. A notícia começou a circular de forma meio confusa na imprensa norte-americana na quinta-feira passada. Na sexta, Stern começou a conceder entrevistas para anunciar sua primeira medida à frente da organização: acabar com ela.
Fazendo um paralelo político, é como se Stern tivesse dado um golpe de Estado; no jargão financeiro, teria feito uma aquisição hostil; mas, na verdade, o assalto ao grupo radical com sede na grande cidade do automóvel foi consentido pelo próprio neonazista que o dirigia até então, Jeff Schoep. Stern, um veterano ativista de 54 anos da Califórnia, conquistou a confiança do militante ao longo dos anos, e em meados de janeiro, conforme consta no registro de corporações e entidades do Estado de Michigan, conseguiu que lhe cedesse formalmente a presidência do grupo.
O NSM enfrenta uma séria ação judicial por sua participação na grande marcha racista de Chalottesville (Virgínia) em 2017, que acabou com graves distúrbios e no qual um jovem supremacista atropelou deliberadamente manifestantes antifascistas, matando uma mulher branca. Este assunto deixava Schoep muito inquieto por causa das repercussões pessoais e econômicas que poderia ter, de modo que o seu cargo se tornou uma batata quente. “Ele sabia que tinha os membros mais vulneráveis e imprevisíveis que a organização já havia tido”, contou James Stern numa entrevista publicada nesta sexta-feira pelo The Washington Post. “Percebeu que alguém cometeria um crime, e que ele acabaria sendo considerado o responsável por isso.”
A questão é como, entre todos os seres humanos no mundo, o líder neonazista foi passar o bastão justo a um ativista negro, e não a outros militantes extremistas. Segundo a versão de Stern, eles se conheceram anos atrás. Quando o ativista afro-americano cumpria pena no Mississippi por fraude postal, teve como companheiro de cela um conhecido líder da Ku Klux Klan, Edgar Ray Killen, encarcerado pelo homicídio de três trabalhadores ligados aos direitos civis em 1964. De alguma maneira, embora Killen costumasse insultá-lo de forma racista, também acabou confiando em Stern e, por mais rocambolesco que soe, teria lhe concedido poderes sobre seu patrimônio, algo que a família de Killen nega, segundo noticiou o Post. Stern conta que em 2016, já fora da cadeia, os usou para dissolver a organização de Killen.
Em 2014, diz, o líder do grupo de Detroit o contatou para lhe perguntar sobre aquela relação com Killen, que morreu em 2018. Era, dizia, a primeira vez que sua organização se dirigia a um afro-americano desde Malcom X. Conheceram-se e começaram uma peculiar relação em que discutiam sobre política, história e raça. No começo de 2019, Schoep lhe confiou sua angústia pelo processo judicial de Charlottesville. E Stern se ofereceu para carregar esse peso.
O ex-líder neonazista de Detroit se lamentava de sua sorte nesta sexta-feira em uma entrevista telefônica à Associated Press. Dizia, em resumo, que James Stern o enganara, levando-o a crer que os autores das ações judiciais deixariam de perseguir o grupo se ele se afastasse da direção, e, como de todos os modos já pensava em renunciar, viu a nomeação de Stern como uma solução provisória. “Ele me convenceu de que para proteger nossos membros eu devia passar a presidência a ele”, corroborou mais tarde no Post. “Ele tem esse pedaço de papel, mas não está reconhecido de maneira nenhuma como líder do Movimento Nacional Socialista”, salientou Schoep à AP. Segundo sua versão, foi Stern quem entrou em contato com ele por recomendação de Killen, e não ao contrário.
Por mais que não seja reconhecido como líder entre os neonazistas da organização de Detroit, Stern já está exercendo suas funções de dirigente, e como tal apresentou na quinta-feira ao juiz uma moção sobre a tragédia de Chalottesville em que diz: “O Movimento Nacional Socialista decide se declarar culpado de todas as ações mencionadas na ação contra ele”. Quando esse processo acabar, quer transformar o site do grupo em uma plataforma de educação sobre o que foi o Holocausto.
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Posted: 03 Mar 2019 07:00 AM PST
Publicado no El País
“Funes não só se lembrava de cada folha de cada árvore de cada montanha, mas de cada uma das vezes que a percebera ou imaginara”. Um dia, o jovem Ireneo Funes caiu do cavalo, perdeu a consciência e, quando se recuperou, “o presente era quase intolerável de tão rico e nítido, e também as recordações mais antigas e triviais”.
Ele é o personagem de Funes o Memorioso, um dos melhores contos de Jorge Luis Borges, incluído em Ficções (1944). Essa mente prodigiosa — a do protagonista da história, não a de Borges — se vê sufocada pelo acúmulo dos mínimos detalhes. Era capaz de reconstruir um dia inteiro, mas levava um dia inteiro para fazer isso. “O que foi pensado apenas uma vez não podia mais ser apagado”. Parece um dom milagroso, mas é uma desgraça. Porque Ireneo Funes é incapaz de ter ideias gerais. Borges conclui: “Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes só havia detalhes, quase imediatos”.
Os humanos comuns tendem a esquecer mais do que a reter cada detalhe da folha de uma árvore. Isso nos permite manter o equilíbrio, simplificar a complexidade e não sofrer tanto como Funes, que não conseguia dormir. Também esquecemos, consciente ou inconscientemente, coisas de nós mesmos que não queremos reter, e assim vamos construindo um eu em parte real e em parte fictício.
De vez em quando, o Facebook te assalta com memórias. Há dois anos você escreveu isto, quer compartilhar novamente? Talvez algo te arranque um sorriso, talvez te envergonhe. Talvez apareça a imagem daquela pessoa amada e perdida ou do companheiro que te deixou. Talvez uma piada de mau gosto, rótulos em fotos de uma noite louca. Qualquer coisa que você não queria que perdurasse.
Os seus rastros digitais são extenuantes. Em algum canto do big data estão todas as mensagens que você trocou, os caminhos que seguiu todos os dias, as suas buscas, as fotos de que você gostou, sua lista de amigos, seus cookies (sim, aceito). Muito poucos se preocupam em apagar o rastro de seu passado, o que exigiria tanto tempo quanto dedicaram ao longo do dia mexendo no celular. Esperamos que nesse oceano de dados ninguém vai remexer, só mesmo os algoritmos que tiram proveito disso. A menos que você se torne uma figura pública, é claro, e os trolls se empenhem em fuçar nos seus antigos tuítes para descobrir indiscrições. Mas não é preciso ser famoso. Em qualquer site ou aplicativo, não só os seus dados te acompanham, mas os seus metadados, um perfil que você não escreveu.
Ireneo Funes “achava que na hora da morte ainda não teria terminado de classificar todas as memórias da infância”. Para nós, cidadãos do século 21, chegará a hora sem termos podido apagar tudo o que desejaríamos que não continuasse ali.
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Posted: 03 Mar 2019 05:01 AM PST
Publicado na Folha de S. Paulo
Vai com Fé que todas as suas contas serão pagas. Fé, aliás, que cabe na palma da sua mão e foi anunciada como um ótimo negócio, um negócio “de Deus”, durante um culto de fevereiro ministrado por um dos pastores mais populares do Brasil.
Menos vantajosa foi a polêmica que se seguiu à propaganda de André Valadão para o mais novo produto de sua marca gospel, #FéPraTodoLado: um cartão de crédito consignado batizado Fé.
Pastor na mineira Igreja Batista Lagoinha, ele foi repreendido dentro e fora do meio evangélico pelo que, Segundo seus críticos, seria a comercialização oportunista de uma crença.
Popular entre aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), o cartão consignado é uma modalidade em que a fatura é descontada todo mês no contracheque. O oferecido por Valadão vem com um selo do BMG, embora o banco negue qualquer ligação com o produto.
O pastor é apenas “correspondente bancário, podendo ofertar e recomendar o BMG Card”, disse à Folha a assessoria de imprensa do BMG.
O que não significa, de acordo com a instituição, que haja “qualquer vínculo direto com a marca Fé”.
Não foi o que Valadão deu a entender quando, para fiéis, divulgou a novidade de sua grife evangélica, que contempla de capacetes a produtos escolares.
“No cartão de crédito, você paga 30% de juros. O banco ofereceu isso aqui, nunca fizeram isso antes, então é algo que eu achei muito legal, achei de Deus. Falei, cara, bênção, vai para cima, tira tudo quanto é taxa, deixa só a administrativa”, disse no púlpito.
Continuou a louvar o novo item no portfólio: “Não tem Serasa, não tem nada. Aleluia!”.
Valadão lidera uma banda gospel famosa no segmento, a Diante do Trono, e chegou a ser cogitado para engrossar a bancada evangélica no Congresso, como candidato ao Senado simpático ao bolsonarismo.
Ante a controvérsia instaurada com seu cartão, ele gravou um vídeo para se explicar pelo empreendimento.
“Tem muita gente que está revoltada, pensando que a gente está comercializando a fé ou a igreja”, afirmou.
Mas não confunda as coisas, pediu em seguida: “Gente, deixa eu te falar, a marca Fé é uma marca como outra”.
Não vá achando o fiel que, se usar uma das mercadorias dessa grife, Deus vai iluminar sua vida. “Compre da marca Fé e seu casamento vai ser restaurado” ou “use o boné Fé e seu cabelo vai crescer” são dois exemplos do que aí, sim, seria, segundo Valadão, falsa propaganda.
O pastor não quis falar com a Folha. No vídeo, disse que divulgou o cartão em um momento do culto específico para avisos “de coisas que acontecem fora da igreja”.
“Imagina se vou falar de lançamento de cartão de crédito no meio de uma pregação. Eu não misturo as coisas.”
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